Sobre a alegria.
Em sua defesa, ela acontecia. Todos juntos eram
protagonistas da catarse embalada pela música do canto de lá e pelo microfone
aberto no canto daqui. Velas, pincéis, balões, cartazes. Reivindicações
flutuando por todos os lados da praça, dando voltas e voltas pelo chafariz. A essência da junção de todas elas era muito simples: liberdade.
Cheguei na praça Montevidéu às 20:30. Já era bem grande o
número de pessoas que se reuniam lá e o clima era de manifestação festiva.
Manifestação porque as pessoas expressavam publicamente sentimentos
em comum, opiniões políticas, pensamentos incisivos. Festivo porque esse era o
clima predominante.
Para quem ainda desconhece as motivações que levaram ao
encontro desse grupo em praça pública, mesmo com a quantidade de textos já
escritos sobre o evento, faço questão de ressaltar algumas (que julgo
principais):
1 - Defesa do espaço publico para a livre circulação e
expressão das pessoas;
2 - Fim da higienização e repressão que vem ocorrendo na
cidade como conduta em nome da segurança pública;
3 - Repúdio a grande e desrespeitosa privatização dos
espaços públicos que vem dominando a cidade, desvirtuando a essência que faz do
espaço um lugar democrático de convívio;
4 - Celebração da arte, da livre expressão, do amor, da
alegria, da convivência, do afeto, etc.
Como lucidamente disse o Zé no vídeo do Coletivo Catarse
,
a cidade precisa de um espaço de afeto.
Precisa mesmo, e não são Trendmarks que
irão proporcionar isso, mas sim gaiteiros, pregadores, atravessadores de circulo de
facas, peruanos com seus teclados, feiras diversas, micro-palanques ou qualquer
movimento de livre expressão. A PRAÇA É PÚBLICA e feita para o seu uso democratico.
Meu problema não é com um Tatu italiano gigante que, segundo Lazier Martins, "encantava as crianças que passavam por ali". Isso é um grande símbolo, não a coisa em si. Meu problema é com a defesa de interesses tortos, que vem atrelados as mais banais e festivas manifestações midiáticas, adentrando a casa e os espaços da gente como inocentes benfeitores, propondo um jogo em que nunca se perde, já que as regras não são justas porque são inexistentes.
Meu problema não é com um Tatu italiano gigante que, segundo Lazier Martins, "encantava as crianças que passavam por ali". Isso é um grande símbolo, não a coisa em si. Meu problema é com a defesa de interesses tortos, que vem atrelados as mais banais e festivas manifestações midiáticas, adentrando a casa e os espaços da gente como inocentes benfeitores, propondo um jogo em que nunca se perde, já que as regras não são justas porque são inexistentes.
É triste ouvir que "só assim" pra haver verba para
a revitalização dos espaços. Com o nosso atual momento histórico, economico e cultural aliado
a má gestão é mesmo uma grande saída possível. É sintomático. Não é mistério
nenhum que o estado se curva ao capital. A parceria público-privada é só o que
tem acontecido por aí, com o o público engolido pelo privado quase sempre. Nada disso é claro ou direto e é ingenuidade pensar que muito se muda em pouco tempo. O que não é ingênuo é querer manifestar o que se pensa, deixar claro qual é o causador do desconforto, expressar com
firmeza o que não está certo.
É assim, num ritmo agoniante de tão lento, que as coisas vão se
deslocando, as mentalidades vão mudando e os momentos históricos vão se
transformando. Isso NUNCA começa pela maioria e é feita de grandes e pequenos atos, nem sempre de forma pacífica.
A intenção até era essa, mas o desfecho não foi. Não direi
infelizmente, muito menos felizmente. Quando encaramos o fato bem de frente suas facetas são multiplas e suas nuânces nebulosas. Basta uma faísca pra
acender o fogo.
Sobre a violência.
É pequena a parte da violência que diz respeito somente a
violação da integridade física, mesmo que nesse caso tenha sido o mais
impactante (sempre é). Pode-se violentar moralmente e isso é bem mais comum. A
própria mobilização do batalhão de choque em frente ao Tatu da Coca-Cola, ao
meu ver, já é uma demonstração opressora de força, um tipo de violência moral.
Problema mesmo é quando ela passa do domínio "virtual" e se faz, com toda a
força e desigualdade, real.
Não me interessa saber quem começou a violência física. Um
cotovelo fora do lugar em qualquer aproximação entre corpos agitados pode gerar um único
micro ato violento que em uma fração de segundo se espalha e toma dimensões
assustadoras.
O que me interessa é a motivação real para uma reação tão
violenta por parte da polícia na defesa de um boneco inflável. Conter o
"vandalismo" em um espaço "privado" (dentro do chiqueiro do
Tatu) e "manter a ordem" faz parte do trabalho da polícia sim.
O que não faz é a violação dos direitos humanos, perseguindo pessoas ruas e ruas adentro com cacetetes e balas de borracha (sem entrar no mérito de outros abusos) depois do "patrimônio público" (faz-me rir) já estar depredado.
O que não faz é a violação dos direitos humanos, perseguindo pessoas ruas e ruas adentro com cacetetes e balas de borracha (sem entrar no mérito de outros abusos) depois do "patrimônio público" (faz-me rir) já estar depredado.
Esse tipo de confronto é delicado, pois ambos os lados se
deixam levar pelo instinto do ataque em função da defesa. O problema é quando o
ataque é pelo ataque.
É infeliz a posição da grande mídia, é revoltante a
ignorância de muitas pessoas que defendem a violencia como solução, é descabida
a quantidade de gente ferida em detrimento de um objeto.
Quanto ao Tatu, me perdoem a falta de modos, mas que se
foda. Nenhuma cabeça, braço ou perna pode ser menos importante do que um boneco
inflável, principalmente quando este é um símbolo que carrega em si a razão do
descontentamento.
Derrubadas de estátuas em praça pública de líderes depostos não significam nada? Isso seria um tipo de vandalismo? O certo seria esperar um novo governo entrar em vigor para então pedir gentilmente a remoção de uma imagem tão intragável? Guardada as devidas proporções, é claro, a queda do Tatu foi sintomática.
Derrubadas de estátuas em praça pública de líderes depostos não significam nada? Isso seria um tipo de vandalismo? O certo seria esperar um novo governo entrar em vigor para então pedir gentilmente a remoção de uma imagem tão intragável? Guardada as devidas proporções, é claro, a queda do Tatu foi sintomática.
Sou totalmente contra a violência e minha tendência é pacífica, apesar
de acreditar que ela seja grande parcela integrante da nossa essência e por isso tão comumente manifestada.
Acho a praça mais bonita sem Tatu-Bola-Copa-Coca, com mais
rostos se cruzando e rica em expressão popular.
Essas fotos são só a confirmação da parte da alegria, apesar
de anteceder uma espécie de luto e a falta de um final feliz.
Eu não estava lá quando o tumulto começou. Muitos amigos
estavam e isso me chateia tanto quanto.
Estou, como sempre, aberta a ser contrariada ou
complementada.
As questões são bem mais profundas e me causam desconforto.
As questões são bem mais profundas e me causam desconforto.
Escrevo pra tentar entender, clarear e expressar.
Inacreditável um evento que tinha como mote a alegria acabar em tristeza :( Uma coisa que eu acho muito bizarra é defenderem que tem que tirar as pessoas das ruas de noite pra ter mais segurança. Estou lendo o livro A Vida e Morte das Grandes Cidades, da Jane Jacobs (que muito refletiu sobre urbanismo) e ela fala que quanto mais pessoas nas ruas, nas calçadas, mais elas se autorregulam, ou seja, mais segurança que vem naturalmente do fato até de conhecerem melhor os seus vizinhos! No fim, é disso mesmo que precisamos: de mais espaços de afeto.
ReplyDeleteParabéns pelo lindo texto e imagens, Roberta. Somos muitos. Estaremos juntos.
ReplyDeleteo deus da carnificina ainda vai mandar no mundo por muito tempo e ele só tem um mandamento: domina o jogo quem tem dinheiro e armas.
ReplyDeleteos pequenos milagres ao longo do tempo são apenas concessões, que ocorrem vez por outra, para criar a oportunidade do sistema absorver as próprias entropias.
então quando você está mantendo um grande rebanho sob controle ao longo de um grande caminho, de vez em quando se faz uma pequena curva, mas na maior parte do tempo, a essência não se altera, é tudo reto mesmo, em linha.
foi esta força que impeliu a maioria dos revolucionários de 1968 a se tornarem capitalistas. ninguém nunca mudou o mundo de verdade, a menos que dispusesse de dinheiro e armas, e portanto se alinhasse com o deus da carnificina.
acho que este episódio foi emblemático e deixa muito claro como a realidade realmente funciona: você pode escrever o que quiser através de um computador, você pode se pintar e espernear o quanto quiser, lançar mão dos mais variados símbolos... mas quando a coisa chega no ponto onde o sistema pode ser confrontado de verdade, a linguagem com a qual se estabelece o diálogo é primal e pura, como sempre foi desde o início.
talvez seja por isso que a medida que ficamos mais "experientes", mais próximos estamos de nos tornarmos deprimidos ou cínicos, pois já vimos mais coisas acontecerem, como tudo funciona e como tudo rara e pontualmente muda, apenas quando "interessa" ao fluxo produtivo e consumista deste mundo medíocre, violento e mercantilista.
a vida do homem é muito simples, parecida com a de qualquer outro animal. envolve nascer, envolve morrer um dia.
o que muda é a a maneira como ele se posiciona no meio destas duas coisas, e diante de todo o poder primitivo de ganância e violência que regula irremediavelmente o mundo desde que os primeiros sapiens usaram ossos como armas contra outros sapiens, muitos animais humanos optam por fazer as revoluções possíveis dentro das suas próprias mentes, deixando o mundo viver como quer, na imbecilidade, na lama e no cinza.
então talvez o verdadeiro Super Homem, seja o de Nietzsche, seja o da DC Comics, preferisse esquecer a Terra e a humanidade e voasse pelo espaço, para bem longe.
nem mesmo ele poderia fazer a Terra girar ao contrário, nem mesmo ele pode sobreviver a kriptonita dos sacerdotes do deus da carnificina e nem mesmo ele pode convencer os sapiens primatas a deixarem de ser animais simplórios, a viver como pessoas dignas.